O que é matraca e como é usada no folclore brasileiro

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Matraca

A matraca é classificada na organologia como um idiofone percutido, geralmente feito de madeira, que produz som pelo choque entre peças.

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Basicamente, consiste em uma ou mais lâminas móveis que batem contra uma peça dentada, ou em placas que se entrechocam, gerando um trilo rápido e característico.

Sua simplicidade construtiva contrasta diretamente com a complexidade dos contextos em que se insere, sendo um instrumento de grande poder simbólico e rítmico.

O seu nome tem origem no árabe mitraka, que significa “martelo de madeira”, indicando a antiguidade e a ampla dispersão desse tipo de artefato sonoro pelo mundo.

A função da matraca transcende o mero acompanhamento musical. Nas festas populares, atua como um potente sinalizador, um chamamento que convoca e organiza os participantes.

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Sua sonoridade seca e intensa é imediatamente reconhecível, funcionando como a “voz” da tradição em muitos folguedos.

Este instrumento é a prova de que a riqueza cultural reside, muitas vezes, nos detalhes menos óbvios da nossa paisagem sonora.

Como a Matraca se Tornou um Elemento Central no Folclore do Maranhão?

No Maranhão, a matraca assume um protagonismo inigualável, sendo o coração pulsante de um dos sotaques do Bumba-meu-Boi.

Este folguedo, que celebra a morte e ressurreição do boi, é uma manifestação complexa que mistura música, dança, teatro e fé, reconhecida como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade pelo IPHAN em 2012.

Os grupos do “Sotaque de Matraca”, tipicamente associados à Ilha de São Luís, utilizam o instrumento de forma massiva.

Os tocadores, ou “matraqueiros”, manejam placas de madeira que se chocam ritmicamente, conferindo ao sotaque uma cadência vigorosa e contagiante. ]

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O ritmo da matraca é o que distingue e dá identidade a esses grupos, criando uma sonoridade única, quase uma muralha de som percussivo que embala a dança e os cantos.

O Bumba-meu-Boi maranhense é um dos maiores exemplos da capacidade do folclore brasileiro de absorver e ressignificar instrumentos populares, transformando-os em ícones culturais.

Onde Mais no Brasil a Matraca Desempenha um Papel Cultural Relevante?

Embora o Maranhão seja seu palco mais famoso, o uso da matraca estende-se por outras manifestações do folclore e da religiosidade brasileira.

O instrumento possui uma forte ligação com a tradição católica da Semana Santa, principalmente em Minas Gerais e em algumas regiões do Nordeste.

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Durante os dias que antecedem a Páscoa, ela substitui o toque festivo dos sinos das igrejas, que são silenciados em sinal de luto e respeito pela Paixão de Cristo.

O som austero e chocante da matraca, neste contexto, simboliza o silêncio da dor e o anuncio solene das procissões, como a da Via Sacra em cidades históricas.

Este é um poderoso exemplo de como um mesmo instrumento pode ter funções ritualísticas completamente diferentes: alegria estrondosa no Bumba-meu-Boi e lamento contido na liturgia católica.

Para ilustrar a relevância da percussão no folclore, observe a tabela a seguir que aponta a prevalência de instrumentos percussivos em importantes folguedos brasileiros.

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A matraca se encaixa perfeitamente nesta tradição de priorizar a intensidade rítmica sobre a melodia.

Manifestação FolclóricaPrincipal Instrumento PercussivoOrigem/Região de Destaque
Bumba-meu-Boi (Sotaque)Matraca, Tambor-onça, PandeiroMaranhão
Maracatu de Baque ViradoAlfaia, Caixa, GonguêPernambuco
CapoeiraBerimbau, Atabaque, PandeiroBahia
CongadaTambores (Caixa, Bumbo)Minas Gerais, São Paulo

Por Que a Matraca é Mais Que um Simples Instrumento de Ruído?

A matriz rítmica do Brasil tem na percussão a sua espinha dorsal, e a matraca é um componente essencial desse panorama.

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Seu timbre rascante, por vezes descrito como um “barulho”, carrega a crueza e a força da expressão popular.

O folclore raramente busca a polidez da música de câmara; ele almeja a intensidade da vida, a pulsação da comunidade.

O toque da matraca, por exemplo, é como o som das rodas de um trem antigo acelerando na noite, um ruído mecânico que, em seu contexto, se torna música pura, cheia de propósito e ancestralidade.

Em São Luís, os grupos de Bumba-meu-Boi ensaiam em terreiros onde o volume das matracas se torna tão alto que a parede sonora é capaz de vibrar o chão, funcionando como um verdadeiro megafone rítmico que anuncia a chegada do folguedo.

Esse volume não é acidental, mas parte da performance, um convite irrecusável à participação.

Em contraste, na procissão de Sabará, Minas Gerais, a antiga matraca de procissão, pesando vários quilos e tocada por um único “matraqueiro”, tem um som lento e grave, pontuando os passos da penitência.

A ressonância do atrito da madeira em seus giros não é festiva; é um murmúrio que convida à reflexão.

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Segundo dados da pesquisa do IPHAN sobre o Bumba-meu-Boi, estima-se que existam mais de 100 grupos ativos somente no Maranhão, sendo que a maior parte deles preserva o Sotaque de Matraca.

Essa estatística relevante ilustra o papel duradouro e vital do instrumento na manutenção dessa rica manifestação cultural.

Como a Matraca Simboliza a Resistência e a Identidade Cultural?

O folclore brasileiro é um campo de disputa e resistência, onde as manifestações populares lutam contra o esquecimento e a pasteurização cultural.

A matraca, com seu som que não se curva aos padrões hegemônicos, simboliza essa persistência. Ela é o barulho que a cultura popular faz para ser ouvida.

Como um coração que insiste em bater, o ritmo seco e incansável do instrumento representa a vitalidade de uma tradição que se recusa a morrer.

Analogicamente, o som da matraca na folia é como um grito de liberdade que ecoa nas noites do Maranhão, lembrando a todos da força da comunidade e da beleza das raízes populares.

Se o Brasil é um mosaico de ritmos, por que negligenciar o som contundente de um de seus instrumentos mais autênticos?

Conclusão: A Matraca no Século XXI

Em 2025, a valorização de instrumentos como a matraca é fundamental para a diversidade cultural do Brasil.

Ela nos lembra que a música não se restringe a escalas e harmonias; ela é, antes de tudo, ritmo e história.

A matraca continua a soar em festivais e procissões, provando que sua relevância é atemporal, um testemunho vibrante da nossa identidade.


Dúvidas Frequentes

1. A matraca tem variações regionais?

Sim, existem diversos formatos. No Maranhão, são placas de madeira maciça entrechocadas.

Em contextos religiosos, pode ser um dispositivo com uma roda dentada e uma lingueta que gira, gerando um trilo.

2. A matraca é usada em outros países?

Certamente. Instrumentos de princípio similar são encontrados em várias culturas globais, muitas vezes com o nome de ratchet em inglês ou como parte de tradições litúrgicas em países europeus.

3. O som da matraca é considerado “musical”?

Para os padrões estritos da música erudita, pode ser visto como um ruído.

Contudo, em seu contexto folclórico, o ritmo e o timbre único da matraca são essenciais para a composição musical e rítmica do folguedo, sendo, portanto, intrinsecamente musical.